Preparar comida no fogão à lenha não é saudável, polui o meio ambiente, afasta mulheres do mercado de trabalho e crianças da escola. Essa é a conclusão de uma pesquisa que mapeou a pobreza energética no Brasil a partir de entrevistas com especialistas da saúde, do setor de energia e com pessoas afetadas pelo problema pelo país, com dados de 2022 e 2023.

Segundo o estudo da Plataforma de Transição Justa, com curadoria da Agenda Pública, embora quase 100% dos lares brasileiros tenham gás de botijão ou encanado, 17% fazem uso de lenha ou carvão para cozinhar, em combinação com eletricidade (98%) e botijão (52%).
São 12,7 milhões de brasileiros enquadrados na chamada pobreza energética -quando há acesso inadequado a fonte de energia.

Caso de Patrícia Soares, 53, moradora de Pedra Azul, no norte de Minas Gerais. Todo sábado, ela e os filhos acordam às 5h e caminham 40 minutos até uma mata para “caçar lenha” com foice e facão.
“Com o dinheiro do gás a gente compra um remédio, carne e arroz, paga uma conta de luz. Uso gás só para fazer café ou esquentar a janta. Tanto que o botijão aqui em casa dura seis meses e já durou até um ano”, afirma Soares, que é viúva e mãe de nove filhos.

O calor no local onde ela cozinha é forte. “Junta a quentura do fogão e das telhas quando o sol está quente, a gente fica agoniada, meio tonta”, diz.

A pesquisa apontou que, em 2022, 30% dos lares da região Norte, 28% do Sul e 24% do Nordeste utilizavam lenha no preparo das refeições. No Sudeste, eram 8% dos domicílios nesta condição -incluindo locais urbanizados onde a lenha é feita de gravetos, sobras de feiras e restos de papelão.

“A face mais dramática da pobreza energética é a falta de gás. E ela tem rosto feminino. Mulheres cozinham com lenha porque não têm escolha”, diz Sergio Andrade, diretor-executivo da Agenda Pública e coordenador geral da pesquisa.

“São 18 horas por semana catando lenha, além da inalação da fumaça que gera problemas de saúde que vão de dores na coluna a doenças pulmonares”, diz ele.
A cocção com lenha emite gases como monóxido de carbono, dióxido de nitrogênio, formaldeído e benzopireno. Partículas que inflamam vias respiratórias e pulmões, prejudicam o sistema imunológico e reduzem a capacidade de transporte de oxigênio do sangue.
Em 2020, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, 3,2 milhões de pessoas em todo o mundo morreram devido a essa poluição doméstica -que é pouco conhecida, segundo Carlos Ragazzo, professor da Fundação Getulio Vargas.

“Você tem um problema de informação e outro de hábito. Pessoas de baixa renda estão acostumadas há gerações a cozinhar assim e não sabem do risco da lenha para sua saúde e de seus filhos, que ficam no mesmo ambiente fechado e insalubre”, afirma ele.

Em uma pesquisa encomendada pelo Sindigás a Ragazzo, produzida em 2024, o professor avaliou o impacto de políticas como o Gás para Todos (antigo Auxílio Gás), criado na pandemia de Covid-19, quando houve escalada da fome e do uso de lenha e álcool para cocção de alimentos no país.
O programa atualmente custeia a compra de botijão de gás de 13 quilos para 5,4 milhões de famílias e passa por redesenho em uma tentativa de o governo Lula (PT) baratear o preço da energia para os mais pobres.

O presidente deve anunciar, em breve, auxílio-gás para 20 milhões de famílias ao custo de R$ 5 bilhões para os cofres públicos. A ideia é criar um voucher específico para o gás.

“Seria preciso garantir que o dinheiro esteja carimbado para aquele uso, ou seja, a pessoa recebe o benefício na medida em que compra o botijão”, afirma o professor.

Países como Peru, Colômbia e Índia, diz Ragazzo, fizeram este movimento de atrelar o recurso à compra do GLP, aumentando o uso do gás para cocção nas residências. E usaram outro componente essencial: campanhas de conscientização, geralmente em parceria com lideranças comunitárias.
“É uma maneira eficiente de educar as pessoas sobre os malefícios do uso da lenha e fazer elas migrarem para outra fonte de energia”, afirma ele.

Em ano de COP30 no Brasil, quando mudança climática e transição energética estarão na agenda da corte, a Plataforma Transição Justa faz as contas do desperdício: substituir lenha por eletricidade poderia economizar 34 minutos por dia e até US$ 62 por ano por família.

“Não tem uma solução definitiva, mas precisamos de programas sociais mais focalizados que deem conta dessa pobreza multidimensional”, diz Sergio Andrade.

By Laiana

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