Temperaturas extremas interferem na ação de medicamentos comuns, como betabloqueadores e diuréticos, sobretudo entre idosos e pessoas com doenças crônicas
Ondas de calor cada vez mais intensas, como as que têm atingido o Brasil com termômetros próximos dos 40 °C, não afetam apenas o conforto térmico da população. Elas também podem alterar de forma significativa a ação de medicamentos de uso cotidiano, aumentando o risco de efeitos colaterais graves e até de morte, segundo alertam especialistas em farmacologia clínica e saúde pública.
A preocupação cresce em um cenário de mudanças climáticas e envelhecimento da população. Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que cerca de 490 mil pessoas morrem todos os anos em decorrência do calor extremo em todo o mundo, número que vem aumentando nas últimas décadas.
Calor muda a forma como o corpo reage aos medicamentos
Para manter a temperatura corporal estável, o organismo reage ao calor intenso com aumento da sudorese, dilatação dos vasos sanguíneos e maior fluxo de sangue para a pele. Essas adaptações, porém, podem interferir diretamente na absorção, distribuição e eliminação de medicamentos.
Se o mecanismo de regulação térmica falhar, o corpo pode entrar em colapso, levando a sintomas como fadiga, tontura, dor de cabeça, cãibras, arritmias cardíacas, infartos e, em casos extremos, ao golpe de calor.
“A temperatura externa desempenha um papel importante na dosagem dos medicamentos”, explica a farmacologista Julia Stingl, diretora da Divisão de Farmacologia Clínica do Hospital Universitário de Heidelberg, na Alemanha. Segundo ela, a perda de líquidos intensifica o efeito de diversos fármacos e amplia os efeitos colaterais.
Betabloqueadores e diuréticos exigem atenção redobrada
Entre os medicamentos mais afetados pelo calor estão os betabloqueadores, amplamente usados no tratamento de insuficiência cardíaca e arritmias. Essas drogas podem reduzir a capacidade do organismo de reagir ao calor, dificultando o aumento da frequência cardíaca e a adaptação da circulação.
Também exigem cautela os diuréticos, que aumentam a eliminação de líquidos, além de laxantes, psicofármacos, antidepressivos, anticolinérgicos, anti-histamínicos e até analgésicos comuns, como ácido acetilsalicílico (AAS) e ibuprofeno.
A chamada “Tabela de Calor de Heidelberg”, desenvolvida por pesquisadores alemães, tornou-se referência internacional para orientar ajustes de medicamentos durante períodos de altas temperaturas.
Mais quedas, confusão mental e internações
O aumento de mortes durante ondas de calor não está ligado apenas a casos clássicos de golpe de calor. Segundo especialistas, há também um crescimento das chamadas mortes indiretas, provocadas por infartos, acidentes vasculares cerebrais e quedas.
“Os efeitos colaterais intensificados causam distúrbios de equilíbrio, tontura, problemas de coordenação e confusão mental”, afirma Stingl. “Observamos muito mais quedas e internações em pronto-socorro de idosos durante períodos de calor intenso.”
Em muitos países, apenas óbitos diretamente atribuídos ao calor entram nas estatísticas oficiais, o que pode subestimar o impacto real das altas temperaturas na mortalidade.
Quem está mais vulnerável
Os principais grupos de risco incluem idosos, pessoas com doenças crônicas — especialmente cardiovasculares, pulmonares, renais e diabetes —, além de bebês e crianças pequenas, que têm maior necessidade de líquidos.
Trabalhadores expostos ao sol, como agricultores e operários da construção civil, e pessoas em situação de rua também estão entre os mais afetados, por permanecerem longos períodos sob altas temperaturas e, muitas vezes, sem acesso adequado à hidratação ou locais de resfriamento.
“A ingestão adequada de líquidos é o foco principal em todas as idades”, reforça Stingl. A desidratação pode comprometer o funcionamento dos rins e levar a confusão mental e até delírio. O consumo de bebidas alcoólicas, alerta a especialista, agrava o risco, especialmente quando associado a medicamentos.
Diretrizes podem precisar de revisão
Diante do avanço das mudanças climáticas, especialistas defendem que os efeitos do calor extremo sobre medicamentos sejam mais considerados nas políticas de saúde.
“Talvez seja necessário rever processos regulatórios e diretrizes clínicas”, avalia Soko Setoguchi, professora de Medicina e Epidemiologia da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos. Em alguns casos, ajustes de dose podem ser indicados, desde que feitos com acompanhamento médico e de forma individualizada.
No Brasil, um estudo do projeto Mudanças Climáticas e Saúde Urbana na América Latina aponta que, no cenário mais extremo de aquecimento, a proporção de mortes atribuídas ao calor pode mais do que dobrar até 2054, ultrapassando 2% do total de óbitos.
Na Europa, dados do Instituto para Saúde Global de Barcelona indicam que as mortes por calor variaram entre 30 mil e 70 mil nos últimos anos, dependendo da intensidade das ondas de calor. Em 2024, a Alemanha registrou cerca de 3 mil mortes relacionadas às altas temperaturas.
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