Apesar de o Congresso Nacional controlar a destinação do valor recorde de cerca de R$ 50 bilhões em emendas parlamentares, a Comissão Mista de Orçamento do Legislativo negocia com o governo Lula (PT) uma verba extra de fim de ano para cada um de seus membros, chamada por alguns de “emenda panetone”.
Sob o argumento de essa ser uma tradição não escrita, mas sempre cumprida todos os anos, os valores discutidos são de R$ 3 milhões para cada integrante da comissão, sendo R$ 5 milhões para os relatores setoriais.
Além de o valor final não estar ainda definido, a fonte do recurso também é objeto de disputa.
Segundo relatos de parlamentares ouvidos pela Folha, o governo quer que a verba seja retirada das chamadas emendas de comissão, dinheiro que teoricamente deveria ter a aplicação decidida pelas comissões temáticas da Câmara e do Senado, mas que na prática é usado por governo, líderes partidários e a cúpula do Congresso para obter apoio às suas demandas.
Já os integrantes da Comissão de Orçamento defendem que a “emenda panetone” seja executada no Orçamento do próprio governo, na rubrica RP2, em mais um drible às tentativas de fiscalização e rastreabilidade das emendas parlamentares.
Em nota, a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, comandada por Gleisi Hoffmann, afirmou que “nega e repudia as alegações que a reportagem atribui a fontes anônimas”.
A Folha confirmou a existência da negociação com oito parlamentares, quatro deles do PT, partido de Gleisi. Todos falaram na condição “off de record”, jargão jornalístico que significa que a fonte consultada passou a informação mediante a condição de não ser identificada.
A Comissão Mista de Orçamento do Congresso é composta por 30 deputados federais e 10 senadores titulares, com igual número de suplentes.
Ela tem como função a cada ano analisar e aprovar a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), que serve como base para a LOA (Lei Orçamentária Anual). As duas ainda não foram votadas, mas o objetivo é concluir a análise até dezembro.
A reportagem também procurou os relatores da LDO, Gervásio Maia (PSB-PB), e da LOA, Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), mas não houve resposta.
Há R$ 50,3 bilhões reservados no Orçamento de 2025 para emendas parlamentares. Deste valor, o governo já empenhou R$ 32,23 bilhões e pagou R$ 21,9 bilhões.
Cerca de R$ 38,8 bilhões são de emendas impositivas individuais e das bancadas estaduais. Ainda há R$ 11,5 bilhões de verbas definidas pelas comissões temáticas do Congresso, a fatia mais vulnerável a cortes e ao ritmo de execução imposto pelo Planalto.
A explosão de verbas de emendas parlamentares se deu a partir de 2020, quando o recurso empenhado saltou de R$ 18,2 bilhões para R$ 50 bilhões de um ano para o outro. O aumento drenou o orçamento dos ministérios, que têm até 70% dos recursos de custeio e investimentos definidos por parlamentares.
Mesmo com controle inédito dos parlamentares, o governo federal tem negociado com o Congresso, não só no fim do ano, verbas extras que não ficam marcadas como emendas.
Na prática, os recursos também fogem dos controles impostos pelo STF (Supremo Tribunal Federal), como exigências de plano de trabalho ou de criação de contas únicas para receber determinados tipos de emendas.
No Ministério da Saúde, repasses que se aproximam de R$ 5 bilhões são tratados nos bastidores como emenda informal. O governo nega que a verba seja usada em negociações com o Congresso, ainda que os próprios parlamentares se refiram à verba como uma indicação própria em ofícios, redes sociais e diálogos com os estados e municípios, como mostrou a Folha.
Nos anos 1990, a comissão foi o epicentro de um dos principais escândalos políticos do final do século passado, o chamado esquema dos anões do Orçamento —a CPI que apurou o caso apontou que um grupo de deputados recebia propina de prefeitos e empresas para direcionar suas emendas.

