Alguns dos típicos presentes para o Dia dos Pais são xícaras com frases como “Pai, meu herói” estampadas sobre o logo do Super-Homem. O mito do “super-herói” na paternidade vem sendo questionado por especialistas, que enxergam esse momento como uma oportunidade de reflexão para o homem.

Se anos atrás era comum a crença de um “instinto materno” puramente biológico em seres humanos, esta ideia vem sendo posta em xeque. A palavra, segundo a psicanalista Vera Iaconelli, é usada popularmente para dar ênfase ao que é muito forte, a algo que está lá desde sempre -o que não é verdade. No entanto, essa mesma noção vem sendo aplicada à paternidade. “Está se tentando usar a mesma chave para sensibilizar os homens ou até para autorizar os homens em um papel que muito frequentemente foi associado só às mulheres”, explica Iaconelli.
Historicamente, foram construídos papéis muito específicos para homens e mulheres na criação dos filhos. Enquanto às mulheres foi atribuída a responsabilidade do cuidado, aos homens coube o papel de provedor e protetor. Por isso, a psicanalista afirma que a necessidade desse mito do instinto paterno surge, em parte, para combater fantasias machistas e patriarcais de que “cuidar dos filhos seria pouco virilizante”.

Outra tentativa de sensibilizar os pais foi a nomenclatura “paternidade ativa”, para falar de homens presentes que participam da vida de seus filhos. Mas, para o psicólogo parental Filipe Colombini, o termo é problemático e sem sentido. “Ele é o pai e, obviamente, ele é ativo e precisa ser ativo, assim como a mãe.”
Colombini afirma que a existência desse termo, enquanto não se fala em “maternidade ativa”, revela um preconceito implícito, em que a participação do pai é vista como um feito extraordinário, enquanto para a mãe é o esperado. Assim, quando o pai assume seus deveres, ele é considerado “um super-herói”, perpetuando estereótipos.

Para o especialista em paternidade Tiago Koch, a falta de exposição ao papel do cuidado resultou em uma “negligência violenta” e na crença de que não seriam capazes de cuidar. Assim como uma tecnologia, ele diz, essa é uma habilidade que se aprende através do erro e da persistência.
“Não existe outra forma de a gente se vincular a outro ser humano que não seja através de cuidados, que não seja através da curiosidade, que não seja através da presença”, diz Koch, que é pai de duas filhas.
AS BARREIAS PARA UMA PATERNIDADE PRESENTE

Existem barreiras culturais e emocionais que impedem os homens de exercerem ativamente sua paternidade desde o início. A falta de conexão imediata com o bebê, relatada por muitos pais, é comum e está ligada ao distanciamento histórico dos homens em relação ao cuidado.
Koch acredita que a falta de envolvimento na gestação e nos primeiros meses do bebê, além da ausência de interesse por conhecimento sobre o que acontece com a parceira e o filho, contribuem para essa desconexão.

Além disso, ele menciona outra barreira: a dificuldade de permanecer em um lugar de cuidado por muito tempo. Koch exemplifica isso com a alta taxa de separações nos primeiros anos de vida do bebê, como mostrou uma pesquisa em uma comunidade de pais no Reino Unido. Iaconelli complementa o raciocínio sobre como essa distância se agrava: “Temos uma quantidade enorme de mulheres que são mães solo, que assumem sozinhas os filhos ou que, havendo o divórcio, o pai se divorcia do filho também”.
Segundo Colombini, diversas barreiras ainda impedem uma paternidade mais presente. Entre elas estão a dificuldade do homem em buscar ajuda e apoio psicológico, o que faz com que não se questionem sobre seus papéis e reproduzam experiências ruins, além da falta de educação emocional, em que muitos não sabem reconhecer ou nomear sentimentos além da raiva.

Outros aspectos sociais também criam empecilhos, como a licença-paternidade que, no Brasil, é de cinco dias corridos garantidos por lei. Empresas cadastradas no Programa Empresa Cidadã podem estender para 20 dias. “É um reflexo institucional e cultural da pouca valorização da presença paterna na sociedade”, afirma o psicólogo.

Todos os especialistas são categóricos em afirmar: o vínculo se constrói através da presença constante e do cuidado. “Não existe essa coisa instantânea em nenhuma relação humana. Você só vai conhecê-la cuidando dela”, diz Iaconelli.

O psicólogo Colombini critica a ideia de que só o “tempo de qualidade” é suficiente. “Frequência e presença são fundamentais”, afirma. Faz parte disso saber, por exemplo, quem são os professores dos filhos, os amigos, os pais dos amigos, o que o filho estuda e não depender da mãe para responder perguntas sobre a rotina da criança.

BENEFÍCIOS DA PATERNIDADE PRESENTE

Essa presença traz benefícios tanto para o desenvolvimento infantil quanto para os próprios pais.
*Para as crianças:*

– Múltiplas referências de cuidado criam maior repertório afetivo, favorecendo um desenvolvimento emocional mais saudável

– Modelos de comportamento diversos fazem as crianças aprenderem que cuidado não é questão de gênero

– Ter múltiplas figuras de apoio favorece a independência futura, gerando autonomia e segurança

*Para o pai:*

– Desenvolvimento de novas habilidades, como a capacidade de se adaptar e criar novos caminhos

– Reconexão com a própria humanidade

– Desenvolvimento de repertórios emocionais antes inexplorados
– O psicólogo parental Filipe Colombini vai além: existem benefícios sistêmicos para a família. “Quando o pai se envolve ativamente, reduz-se a sobrecarga materna, diminuem os riscos de burnout e depressão pós-parto, e toda a dinâmica familiar se beneficia.”

By Laiana

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